quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Man Ray

 Olá pessoas!!!

Andei meio sumida, mas voltei felizona da vida com muita coisa bacana na cabeça!!
Vou começar uma série de estudos sobre vários fotógrafos que gosto!
Hj começarei com o meu querido Man Ray!

Conheci o trabalho de Man Ray ainda muito nova, adolescente e nem pensava em ser fotógrafa (minha criação foi mais ou menos assim: não pense em ter profissões  q não dêem dinheiro ou sejam muito caras ao longo do curso - pobre é uma bosta né? - então, aí, eu sonhava com arte, mas nunca me passava pela mente em ser fotógrafa).
Voltando como conheci e deixando as derrotas de lado, fuçando, sempre cacei imagens em enciclopédias e a posteriore - com o advento da internet - nossa me senti velha agora! - na internet, pra estudar luz, sombra, anatomia e poder desenhar, ou poder clicar com os meus olhos, hj sei disso, na época não.
Na época descobri algumas fotos que me encantaram, sabe, amor à primeira vista? Vc olha e diz, é isso!!!! Que lindo, que perfeito, eu gosto, eu quero, é parte de mim, algo mais ou menos assim! Amor pra vida toda, pq toda vez q olho as fotos me encanto demais e quanto mais conheço o trabalho de Man Ray, mais  gosto!
Foram estas as primeiras:


Le-violin-de-Ingres.-1924

Man Ray, Anatomy



QUEM FOI MAN RAY



































“A fotografia, na verdade incapaz de explicar o que quer que seja, é um convite inexaurível à dedução, à especulação e à fantasia”, refletiu a escritora Susan Sontag. Esse pensamento encontra na figura de Man Ray, com exatidão, a sua veracidade. Tudo a respeito de sua vida artística é vislumbramento e incerteza. Ter perspicácia o tornava um artista inquietante, contudo a audácia o fez ser um personagem insólito no âmbito das artes. Se algum dia o nome Man Ray passasse a ser empregado como adjetivo, este seria sinônimo de diferente, provocador, enigmático, experimental, inconformado e desbravador. Somente para termos uma idéia da riqueza de sua personalidade.

          Man Ray nasceu em 1890 (seu nome de registro era Emmanuel Radnitsky), em Filadélfia, nos Estados Unidos, e morreu em 1976, de uma crise cardíaca, no estúdio de sua casa, em Paris. No ano de 1897, mudou-se com os pais para Nova York, cidade na qual teve sua formação artística. O ambiente de Nova York forneceu subsídios para que Man Ray começasse a conhecer o contrário: com efeito, o mundo artístico da Europa. A fase que compreende Nova York fora profícua para ele descobrir a direção que seu trabalho deveria tomar. Em 1912, já pintava bastante. Sendo os primeiros passos, devemos relativizar a dispersão de suas atividades. Pois, em 1913, Man Ray concluiu o curso de desenho industrial sem, contudo, deixar de pintar. Desde então, demonstrava curiosidade em aplicar outros materiais à pintura e dividia sua atenção com a confecção de “objetos” (resquícios da habilidade apreendida no desenho industrial) – aqui seria o começo da paixão pela feitura de objetos: às vezes eram esculturas; outras vezes, junção de objetos existentes do cotidiano. Essa característica de Man Ray sobreviveu na carreira de fotógrafo. 

     Podemos observar nas imagens Study for Cover: Photographs by Man Ray 1920–1934 (1933)

 e 
The Enigma of Isidore Ducasse  (1920)


a utilização desses objetos compondo a fotografia; constantemente, verificamos essa metalinguagem nos trabalhos de Man Ray, os quais tematizam as coisas como referente principal a ser fotografado.

         A Galeria 291, do fotógrafo Alfred Stieglitz (1864–1946), foi um dos pivôs do interesse de Man Ray por pintura e suas transformações produzidas na Europa. Stieglitz empunhava os ideais de seu grupo Secessionista, que visava dar o devido valor à fotografia como arte e liberdade de criação, defendendo, dessa maneira, o abstracionismo e possibilidades bem distantes dos códigos do real. Na verdade, a Galeria 291 tinha a intenção de fazer intercâmbio cultural entre os artistas europeus e americanos. Man Ray, sobre os pintores americanos, criticou: “Pareciam muito americanos e lhes faltava o mistério que eu sentia nos trabalhos importados”. Outro ponto decisivo na formação cultural dele foi conhecer


Man Ray, MarcelDuchamp with Soap Bubbles, 2006

Marcel Duchamp, em 1915, do qual se tornou amigo e cúmplice, tanto na vida como na arte. Duchamp definiu a pintura de Man Ray como “cubista-românticoexpressionista”, entretanto sua arte sofreu uma guinada estilística a partir desse encontro com um dos maiores desmistificadores da história da arte e um dos mais ferrenhos articuladores do Dadaísmo. Após se conhecerem, Man Ray tornou-se freqüentador do Grupo Dada em Nova York. E, assim, de 1915 a 1920, participou do movimento Dada, com Duchamp e Picabia, e colaborou para a revista New York Dada.

          A versão americana do movimento Dada ficou a cargo de Man Ray e Marcel Duchamp. O Dada estimulava a reflexão sobre a essência da arte — e, isso, Duchamp, com seus ready-mades, fez como nenhum outro artista. Foi um divisor de águas para a arte. Contudo, Man Ray teve essa ligação com o Dada por instinto, como tinha com tudo que favorecesse o novo ou algo que previsse o futuro. De modo que ele foi dadaísta até surgir outra possibilidade para fomentar seu trabalho, que, na ocasião, foi o Surrealismo. Aliás, ser onírico, estabelecer situações diáfanas e explorar ludicamente o consciente e o inconsciente foram ações que sempre alinhavaram suas fotografias, seja em que estilo o enquadremos. Porém, ele se posicionou como o mais importante fotógrafo dos movimentos Dada e Surrealismo, sendo reconhecido como tal por ambos.

          A diversidade do talento de Man Ray se traduz em vários campos artísticos: pintura, fotografia, object-maker, escultura e cinema. Em todos eles, coloca seu toque surpreendente do ineditismo. Mesmo na pintura, o suporte convencional lhe fez recorrer ao aerógrafo (instrumento que pulveriza tinta por meio de ar comprimido, com o qual se controla o jato para se obter grandes áreas de cor plana, delicadas gradações de tonalidade ou uma linha de razoável precisão). Geralmente associado a artistas comerciais, Man Ray o aplicou de uma forma muito à frente do que faziam com essa técnica. A aerografia o ajudava a criar contornos perfeitos das figuras, sem o contato direto com a tela, afastando a sensorialização do fazer artístico. Por meio dela, o artista trabalhou o distanciamento com o suporte e a mecanicidade; esta última, voltaremos a ver mais tarde, na fotografia. O período das aerografias vai de 1917 a 1919.

          O grande tour de force na trajetória artística de Man Ray aconteceu em 1921, quando Duchamp o convenceu a morar em Paris — pólo das maiores loucuras e do experimentalismo de vários artistas. Aos poucos, descobre aptidão e interesse pela fotografia. Levou para lá 30 obras que não conseguiu vender em Nova York, mas nenhuma galeria de arte quis fazer uma exposição sua. Ele já fotografava suas próprias telas e as de alguns amigos seus, até que, um dia, teve de dar prioridade à fotografia para sobreviver. Com o passar dos anos, dedicava-se cada vez mais aos estudos sobre ótica e química. Man Ray percebeu o valor da fotografia quando preferiu guardar uma fotografia e destruir a tela que a originou. Muito embora estivesse distante de formular um estilo para si, delegaram a ele a criação de uma personalidade fotográfica. Tudo em conseqüência dos portraits das maiores celebridades, entre elas atores, poetas, pintores, escultores e intelectuais. Através desses retratos, ganhou bastante dinheiro; mas não só isso: o nomearam criador da fotografia subjetiva.

           Raramente, encontra-se num mesmo acervo fotográfico tão vasta quantidade de personalidades como no dele. Fama e prestígio o acompanharam não pelo fato de fotografar artistas com status em alta, contudo por ser ele o escolhido para os fotografar. Dentre os que passaram pela frente de sua câmera, estão Marcel Duchamp, André Derain,  Fernand Léger, Constantin Brancusi, Pablo Picasso, Robert Delaunay, James Joyce, Ezra Pound, Eisenstein, T.S. Eliot, Henry Miller, Jean Cocteau, Georges Braque, Salvador Dali, Alberto Giacometti, Wilfredo Lam, Giorgio de Chirico, Alexander Calder, Tristan Tzara, Max Ernst, Antonin Artaud, Paul Eluard e outros. 

  
Andre Derain,Man Ray Man Ray, Andre Derain, 1920, Photography

  Constantin Brancusi, Man Ray,
1920, Photography
© San Marino Gallery

 Pablo Picasso  
Man, Ray
Date: 1934

   Robert Delaunay -MAN RAY


Man Ray’s portrait of James Joyce 1922. Many misinterpreted this shot. Joyce had just undergone eye surgery and the bright lights bothered him and Man Ray caught his off-guard pose. 

Man Ray, Ezra Pound 1923

 S. M. Eisenstein
Man Ray (American, 1890-1976)

T. S. ELIOT, by Man Ray 

 MAN RAY, RADNITSKY Emmanuel, 1890-1976 (USA)
Title : Henry Miller
Date : 1942/1943

Man Ray, Jean Cocteau by Man Ray, 1922
Getty Museum

 Man Ray, Marcel Proust on His Deathbed 1922
Getty Museum

 MAN RAY,Georges Braque, portrait solarisé,Christie's,Paris

Alberto Giacometti, by Man Ray 

Retrato de Wifredo Lam por Man Ray

Tristan Tzara ,Man Ray  - 1934 

Max Ernst 1935, by Man Ray 

 Artaud, 1926 - by Man Ray

        Praticamente todos os integrantes do movimento surrealista foram retratados por Man Ray. À medida em que o gênero do retrato permitia a Man Ray exercitar seu olhar e seus métodos (técnicas fotográficas), sua produção passou por um vertiginoso estado de criatividade. É válido destacar que ele era autodidata e contrário ao rigor matemático da técnica. Por isso se preocupava muito mais com a plasticidade final de sua idéia a priori. O mecanismo — neste ponto, a técnica — não passava de um instrumento. Muitas vezes contava com o improviso, tanto no momento do registro quanto na revelação do negativo e na ampliação da fotografia. Na fotografia, Man Ray provou sua capacidade de produzir propostas estéticas nunca antes vistas em simbiose com técnicas aparentemente insólitas, mas que, tidas como imperfeitas, nunca foram usadas com a magnitude com que ele as empregava.

          Quando descobriu que poderia extrair situações plásticas incomuns por causa da sensibilidade do papel fotográfico e do negativo à luz, utilizou também constantemente técnicas como solarização, granulação, fotografia negativa, distorção e processo de relevo. Os efeitos visuais, devido à alta expressividade concebida por Man Ray, são um traço estilístico inexorável na obra desse artista. Contudo, há um mecanismo fundamental numa grande parcela de seus trabalhos: as rayografias, ou fotogramas. No fundo, trata-se de uma técnica (da qual não foi o inventor) que ele projetou com sabedoria e sensibilidade.

          Tudo começou por acaso no seu laboratório, em 1921. Man Ray batizou de rayografias o fenômeno de se obter uma fotografia sem o aparelho fotográfico, ou seja: ao colocar objetos opacos ou translúcidos sobre o papel fotográfico e sensibilizá-lo à luz, surge, assim, uma imagem díspar, abstrata, feérica, desligada do real que nos cerca. 
     Em Rayography Spiral (1923) e Rayograph (1922–1924), temos exemplos significativos da abordagem laboriosa desse artista. Mais uma vez, lembramos que essa técnica também se

chama fotograma e que havia outros artistas, paralelamente e quase simultaneamente, a pesquisando. 

 

Untitled Rayograph: From the Portfolio "Les Champs Délicieux"
1922

 

 Rayograph
1922


 

 Rayographs
1922-1927


 

Rayographs
1922-1927


 

Rayographs
1922-1927


 

Rayographs
1922-1927


 

Rayographs
1922-1927



 

Rayographs
1922-1927


 

Rayographs
1922-1927


 

Rayographs
1922-1927


 

Rayographs
1922-1927


 

Rayographs
1922-1927


 

Rayographs
1922-1927


 

Rayographs
1922-1927



 

Net and Shavings
1924


 

Gun with Alphabet Stencils



          Christian Schad, desde 1918, também tinha suas atenções voltadas para esse processo e, claro, o nomeou schadografia. Outra figura determinante para a história do fotograma foi Moholy- Nagy, que, em 1922, direcionou seus estudos para as formas abstratas dos construtivistas, dos suprematistas e dadaístas interligados às experiências com fotogramas. Ele mesmo afirmava que “o fotograma é a própria essência da fotografia”. Nessa mesma direção, o teórico e escritor Philippe Dubois aponta a essência e a história dessa técnica: “[...] A proposta da operação evidentemente nada tem a ver com a semelhança, a fidelidade, a reprodução. [...] O fotograma é finalmente um gênero fotográfico que realiza em seu princípio a definição mínima da fotografia. Ele exprime, por assim dizer, a ontologia da mesma”.1 Noutra reflexão, Dubois desmistifica os critérios para enquadrar um criador do fotograma: [...] O princípio do fotograma nasceu no dia em que a fotografia nasceu (e mesmo antes). [...] O importante não está nessa corrida vã às origens históricas, mas na consciência do jogo teórico que revela o próprio fundamento do fotográfico: a impressão luminosa por contato, isto é, por contigüidade real e física com o referente — bem antes de qualquer idéia de semelhança.

        No entanto, o mérito de Man Ray reside na seriedade com que se dedicou a esse ramo da fotografia; então, produziu uma linguagem consistente para as rayografias e libertadora para os códigos convencionais da representação. Galgou e chegou ao ápice do surrealismo, da imaterialidade da imagem.

        O ecletismo de Man Ray ramificou-se também para o cinema. Lá, continuou a demonstrar seu mundo interior, que, certamente, está associado ao inconsciente e à fantasia. Sua incursão cinematográfica começou em 1923, com o curta-metragem O Retorno à Razão, em que mostra raiogramas cinéticos nos quais tachinhas e pregos são vistos em movimento, numa dança tão arbitrária quanto frenética. Texturas, móbiles, dadá, desenhos de luzes noturnas de um carrosel, o torso nu de uma mulher decorado com estrias de sombras compõem as imagens ilógicas e absurdas dessa obra tipicamente dadaísta em que predominam a gratuidade e a improvisação.

       Já em 1926, realiza Emak Bakia, em pleno início do movimento surrealista, no qual tem a mesma técnica do anterior. Fez A Estrela do Mar (1928) para ilustrar um poema de Desnos. 
        No filme O Mistério do Castelo de Dados, de 1929, trabalhou com personagens para homenagear de forma surrealista a frase de Mallarmé: “Um golpe de dados nunca afasta o acaso”. Mudou o meio, mas não mudou a  mensagem. Continuou libertando a imagem, que permaneceu misteriosa. Como sempre fez, narrou o que imaginava sem seguir modelos. Em resumo, eram imagens abstratas contadas abstratamente. Sem esperar reconhecimento, sem dar muito valor ao próprio veículo e, muito menos, sem se preocupar em fazer ou seguir as escolas dadaístas ou surrealistas, Man Ray, mais uma vez, gravou sua força de estranhamento no cinema de vanguarda, retomado, mais tarde, pela geração da década de 40, para qual foi

referência. Man Ray enfocava diversos temas com igual senso de legitimidade e coerência estilística. Sua contribuição para a fotografia de moda fora singular, além de denotar grande poder de contemporaneidade (até hoje presente). Trabalhou nesse métier com a mesma conceituação que tinha sobre a arte:

        Alguns dos mais completos e satisfatórios trabalhos de arte têm sido produzidos quando seus autores não têm idéia de criação de uma obra de arte, porém se preocupam com a expressão de uma idéia. Pela ordem natural das coisas, não se criam obras de arte. Isto se estabelece em nós, é a faculdade de interpretação peculiar da mente humana que vê a arte. [tradução da autora]. 
          Apesar de intrinsecamente comercial, a fotografia de moda feita por Man Ray tinha especificidades indeléveis e duas palavras seguidas como dogmas: liberdade e prazer. O fazer artístico permanecia imbuído de convicções indefectíveis. Segundo dizia, “Tudo é arte”. Então, por que não expor arte genuína nas páginas de uma revista de moda?” 
           Em 1922, conhece o estilista Paul Poiret e começa a tirar fotos para ele. Na verdade, Poiret acreditou no feeling de Man Ray para revolucionar a fotografia de moda. Poiret, grande ditador da moda em Paris, viu-se, de repente, deposto pelo talento irreverente de Chanel. Na guerra para reaver seu posto, resolveu reagir e, por isso, contratou Man Ray. Este, por sua vez, exigiu carta branca para trabalhar. A arte, a partir daí, regeu os termos da elegância, dando um toque de desejo e atitude. O ponto crucial na trajetória de Man Ray no contexto fashion foram suas intervenções cênicas, a direção de modelos e a utilização de técnicas distintas das convencionais. A roupa, a beleza feminina eram dispostas como peças para a interpretação alucinada, e algumas vezes dúbia, do espírito desconstrutivista, definidora de sua expressão. Não somente documentava roupas, mas as elevava ao patamar de obra de arte. É certo que, no início, o fotógrafo fez uso da fórmula certa da imagem da moda — linha, cor, textura e, acima de tudo, sex appeal. Entretanto, a vontade hegemônica de instaurar a originalidade prevaleceu. De acordo com Merry Foresta e Willis Hartshorn, curadores da exposição Man

Ray/Bazaar Years: A Fashion Retrospective, realizada em 1990, “a textura e linha foram suprimidas pelos vestidos de couturier e as esculturas do artista, porém a junção de arte, feminilidade e moda era a idéia de Man Ray”. A participação dele na moda é extremamente importante, principalmente na questão de abstrair a figura feminina como objeto e, assim, firmá-la como agente. Essa questão da valorização do ícone mulher será dissertada detalhadamente mais à frente.
         Entre as publicações nas quais colaborou, estão a Harper’s Bazaar, Vanity Fair, Paris Magazine, Charm, Vogue Paris e Vu. Os editores de arte dessas revistas queriam a sensibilidade modernista e as transgressões estéticas de Man Ray para “adicionar vitalidade e cachet às suas páginas”.

         Fugindo da II Guerra Mundial, em 1940 voltou para os Estados Unidos. Nesse período, que compreendeu até 1950, ele viveu em Hollywood, onde prosseguiu com as múltiplas atividades artísticas. Alguns artigos levantam a hipótese de que, nessa fase, ele tenha solidificado sua obra no conhecimento dos americanos e que, portanto, após trinta anos, a Pop Art reconhecera sua inventividade e contemporaneidade. Deter-nos-emos a ponderar que sua estada pode ter gerado esse tipo de influência, não pela presença do artista às suas origens, porém pela aparição incisiva de um já estrangeiro cujo conjunto da obra era vanguarda onde quer que aportasse. “Eu era muito desatento com minhas idéias. Aqui neste país, eles conhecem somente os nomes aprovados pelos comerciantes, negociadores, museus, editores e então é natural que eu seja considerado um seguidor pelos

críticos locais, os quais não conheciam o que acontecera neste mundo nos últimos trinta anos, apesar das facilidades das comunicações de hoje em dia.

          [...] Posso assegurar a você, por mais notoriedade que eu tenha atingido, foi puramente acidental e sem nenhum esforço de minha parte.” Recorremos a esse raciocínio do próprio Man Ray (extraído de uma carta de 1944) para constatar o seu desprendimento com o mercado da arte e como se portava em solo americano.

            A essa altura, a cidade por afinidade ideológica e opção sentimental era Paris. Se Man Ray guardava mágoas do seu país por não entendê-lo tão bem como os franceses era porque os EUA despertaram atrasados para a universalidade do trabalho dele. No entanto, caso essa aceitação tivesse acontecido em 1921, sua história teria sido outra e, por conseqüência, também suas obras. Indiscutivelmente, os círculos vanguardistas parisienses foram a pedra de toque no experimentalismo de Man Ray. Finalmente, retornou a Paris quando a Guerra terminou. Em 1951, reiniciou seu caso de amor pela França. Até a morte.

          A fotografia e a pintura também tiveram para Man Ray vertentes reflexivas. Devemos sempre nos recordar que ele, embora investigasse o acaso e o instinto em suas obras, destacou-se na sua época por ter a consciência de fazer algo revolucionário, independente de filosofias de movimentos artísticos. Seu processo de construção da imagem possuía prioridades; a primeira e substancial era a fidelidade à idéia e ao sentimento. Depois disso, podemos listar elementos como a apuração de possibilidades técnicas, o pragmatismo de recorrer a materiais (dos mais diferentes) que estivessem mais próximos e a firmeza em manter a sofisticação de linguagem e o inusitado perene na disposição dos índices fotográficos.

          Vale contextualizar que Man Ray presenciou as duas guerras mundiais. Viveu processos econômicos antagônicos (de progresso e recessão) e compartilhou de uma sociedade cujos paradigmas eram regidos pelo avanço da industrialização (na década de 1910 e 1920), pela burguesia (classe dominante) e pela banalização dos objetos de consumo. O maior impasse para a modernidade da arte no início do século 20, nesse meio social em que irremediavelmente aconteciam confrontos, esbarrava no conservadorismo e convencionalismo que envolviam as obras de arte. A vontade de modificar o que aparentasse letargia foi a espinha dorsal de todo um panorama de conquistas, causando a dissolução de fronteiras rígidas entre as diferentes esferas artísticas e o incentivo à experimentação de novos meios.

         Afora as intervenções das condições históricas e sociais, é de total importância ressaltarmos a influência dos movimentos artísticos Dada e Surrealismo — contemporâneos respectivamente à I e II guerra mundial — no processo criativo de Man Ray e, reciprocamente, o contrário. Devemos ponderar o efeito de feedback, de reação que causa na estética — contudo, entenda-se aqui a estética pelo historicismo de Panofsky, não sendo uma

ciência do belo eterno e absoluto, mas uma avaliação da adequação entre o projeto artístico, a definição local e as produções decorrentes dessa definição —, uma realidade traiçoeira relativa aos tempos bélicos. Esses dois movimentos submeteram suas propostas à inquietação abissal para reagir ao estado de emergência e insensatez que dominava a Europa.

          Por um lado, o Dada (1916–1922) direciona suas críticas contra a I Guerra e a sociedade, ou seja, contra a ordem estabelecida e o conformismo. Em artigo, a crítica de arte Dawn Ades explica com objetividade: “ ‘Dada é um estado de espírito’, disse Breton. Esse estado de espírito já era endêmico na Europa antes da guerra, mas o conflito deu novo impulso e urgência ao descontentamento que muitos artistas plásticos e poetas jovens já sentiam”. Ela também cita Huelsenbeck, que escreveu em 1920: “[...] A guerra foi maquinada pelos vários governos pelas razões mais autocráticas, sórdidas e materialistas. A guerra era a agonia de uma sociedade baseada na cobiça e no materialismo”.  Essa colocação nos permite associá-la às diretrizes dadaístas, enquanto identidade do movimento. Distante de lançar regras formais, a idéia anarquista era suprema e a noção do caráter da obra de arte, totalmente desconstrutivista.

          A proposição conceitual da obra de arte subjugava os códigos visuais. Desmoronou o que o público apreendera, até aquele momento, como estado absoluto nas artes plásticas. A máxima era: o Dadaísmo não deve e não pode significar nada. Contavam basicamente com o improvável, o absurdo e o inexplicável. A interação dos suportes, e até mesmo a independência deles, causaram um festival de criatividade. Um dos gestos mais contundentes do movimento, que traduz sua essência, foi a primazia da seleção de escolha do artista em detrimento da sua elaboração direta (artesanal). O baluarte dessa questão foi Marcel Duchamp, que batizou de ready-mades o gesto de transpor o objeto do cotidiano, utilitário, para a categoria de obra de arte. Como bem revelou Dawn Ades sobre o movimento:

[...] Deixou de ser requerido um determinado surto de emoção para produzir qualquer coisa; rompeu-se o cordão umbilical entre o objeto e o seu criador; não existe diferença fundamental entre o objeto feito pelo homem e o objeto feito pela máquina, e a única intervenção pessoal possível numa obra é a escolha. Essa ruptura dos arquétipos de bom gosto e beleza na estética da arte é visível nos objetos Fonte (o célebre urinol) de Duchamp e Gift, de Man Ray.      Entretanto, o ferro de passar incrustado de tachinhas em sua base seguia a filosofia antiarte requerida pelos artistas dadaístas mais por impulso da forte amizade com Duchamp do que devido ao seu entrelaçamento com o movimento em si. Compreenderemos melhor esse diálogo ao detalharmos a visão de Man Ray a respeito do movimento artístico. É notável e decisiva a ruptura de ambos com o século XX. São análogas? Sim, são, mas um — o movimento — não guiou os parâmetros estilísticos da estética do outro — Man Ray.

Picabia, um dos mentores do Dada, elucubrava: “Não existe

problema, não existe solução. A obra existe, e sua única razão de ser é existir. Não representa nada além do desejo do cérebro que a concebeu”.  Através

dessa definição, podemos explicar a congruência que havia entre Man Ray e o Dada, movimento do qual ele se identificava com o espírito libertador, desmistificador e renovador do conceito de arte. A existência dessa sintonia, entretanto, é indicativa mais de sua atividade paralela do que de atuação como peça estrutural do Dadaísmo. Na sua personalidade artística, evidenciava-se a contradição de ser dadaísta — fato que não se pode negar — e, ao mesmo  tempo, influenciador do movimento. Legitimamente, conseguiu criar no contraponto, no limiar entre o grupo e o indivíduo. Quando eu fui para para a França, imediatamente encontrei toda a multidão jovem revolucionária, dadaístas e assim por diante. Eu peguei uns

trabalhos e acharam que eles estavam absolutamente na linha do que advogavam. Então, colaborei com eles e nós publicamos revistas e fizemos

exposições”, relatou Man Ray. 
         Esse mesmo tom de descompromisso e casualidade está expresso numa carta em que confidencia: [...] Por vinte anos, meu estúdio em Paris era o centro de uma atividade diversificada. Cinema, pintura, fotografia ramificada em novas direções, contraptions dadaísta e surrealista. Eles me chamavam de ‘o pré-surrealista’, que pode ser uma insinuação de que eu não pedi emprestado de todas as escolas contemporâneas tanto quanto eles pediram emprestado a mim. Os pintores e escritores que flutuaram através do meu estúdio não hesitaram em adotar qualquer idéia que eles viam nas paredes ou em publicações [...].

          Uma das observações mais exatas e concisas sobre o Dadaísmo na obra de Man Ray é a do autor Philipe Sers em seu texto Man Ray and the Avant-garde, no qual teoriza que Man Ray era dada por instinto e que fora instintivamente que ele limpou a mesa das influências artísticas. Movido pela inquietação de inovar, de se manter bem longe da letargia criativa. Ao contrário do discurso dadaísta, o Surrealismo (que teve o reconhecimento internacional em 1936, apesar do seu Manifesto Surrealista ter sido lançado em 1924 por André Breton) se desvinculou do conflito ontológico sobre a arte e da provocação conceitual inserida em suas obras. Há semelhanças entre os dois movimentos, como a crítica à burguesia e às formas convencionais da arte. Opostamente ao Dada, a estética surrealista encontra novos caminhos. Certos critérios são determinantes na construção da imagem surrealista, tais como o automatismo, a criação espontânea e a temática dos sonhos e do subconsciente (lembre-se aqui da forte influência das teorias de Freud com respeito aos sonhos e ao inconsciente) — tudo pela pureza do pensamento, o que explica a ausência da interferência racional.

           A linha formal, se não refletia clareza relativa à mensagem, ao menos demonstrava exuberante virtuosidade em valorizar o surreal, o imaterial, a irracionalidade do ato primário e do impulso; nos transportava a um mundo de imaginação, onirismo e associações. Exatamente neste ponto, faremos uma comparação intersemiótica com relação a René Magrite que remete ao trabalho de Man Ray. Pois bem, em Magrite visualizamos o contraste, a dialética entre a semiótica (representação) e a realidade (objeto referido), ou seja: na pintura

dele, surpreendemo-nos pela dualidade do real que não passa do seu simulacro. Na medida em que as telas de Magrite são controvertidas; questionam os nossos pressupostos acerca do mundo, acerca das relações entre um objeto pintado e um objeto real, e estabelecem analogias imprevistas ou justapõem coisas completamente desconexas num estilo

deliberadamente inexpressivo [...]. Seria possível encaixar, claro que em proporções particulares a cada um, a elaboração poética de Man Ray àquela balança que equilibra o ícone e a representação; o significante e o significado. Man Ray estabeleceu na prática esses dois acontecimentos artísticos de vanguarda na fotografia com extrema desenvoltura técnica.

           Graças ao associacionismo, característica do Dada e do Surrealismo, os recursos de montagem, colagem, agrupamento e metáfora foram incorporados, não só por Man Ray, mas também pelo próprio percurso sincrônico da fotografia. Daí, resultou na fotomontagem, que refletiu, principalmente, o espírito do Dada com propriedade e solidez. Entretanto, existe uma diferença a respeito das fotomontagens dadaístas e as montagens fotográficas de Man Ray.         De acordo com Philippe Dubois, “[...] A foto é também um verdadeiro material, um dado icônico bruto, manipulável como qualquer outra substância concreta (recortável, combinável etc.), portanto, integrável em realizações artísticas diversas [...]”. Em vez disso, Man Ray aferiu outra visão da fotomontagem, realizou o processo de solarização, rayografia (fotograma),

sobreposição de imagens, entre outras técnicas. Mais precisamente, ele fugiu do princípio de construir fotomontagens com fragmentos de fotografias existentes, explorou incessantemente montagens no cerne da fotografia — interferiu na imagem e inventou enfoques desconcertantes sobre a cena apreendida. Enfim, fez dela um espetáculo de criatividade, sempre vinculado ao seu indefectível componente de contemporaneidade. Ponderemos: terminou unindo fotografia com fotografia, que não deixa de ser uma fotomontagem, mas o seu diferencial reside em transformar (isto sim) a fotografia com ela mesma, fornecendo a matéria-prima, sendo agente direto (longe do passivo).

           O pensamento de Man Ray sobre pintura, fotografia e arte Ainda que Man Ray tenha sido um artista com livre circulação entre os movimentos de vanguarda, sublinhou-os com sua eloqüente identidade. Por certo, influenciou e foi influenciado. Só que, com a mesma intensidade com que transitava por escolas artísticas, também lapidou suas opiniões sobre os suportes (pintura e fotografia) e a essência da arte. A arte de Man Ray era permeada pela convicção de liberdade de expressão e pela autonomia dos suportes. Man Ray não se preocupou em teorizar o processo de criação ou esmiuçar a poética referente às suas obras; daí a escassez de material de sua autoria, cujos comentários e explanações seriam valiosíssimos como fontes de pesquisa e entendimento do raciocínio do artista. Entretanto, Man Ray esclareceu vários aspectos de sua personalidade artística através de missivas, entrevistas e artigos, nos quais levanta questões fartamente discutidas em sua época, mas as deixa com sua marca pessoal de argumentação ou, até mesmo, de impressão. Várias foram as idéias confidenciadas por correspondência e ponderadas em artigos.

          Em carta para Knud Merrild (pintor dinamarquês), escrita em 1942, Man Ray expõe a importância da pintura. Como, por exemplo: Todo pintor contemporâneo que tem estudado e reagido às inovações maravilhosas e variações desenvolvidas na pintura durante as duas últimas gerações, assim como todo pintor que tem algum senso de iniciativa e a indispensável audácia de um explorador, têm contribuído, de um modo ou de outro, para acelerar o tempo de uma arte que tem estado praticamente infundido com nova energia; esta arte da pintura que tem sido o trampolim para muitos outros desenvolvimentos nos domínios da arquitetura, ciência, ótica, química e psicologia. [...] Esse é o esforço da mente humana, que reduz o irracional e a inexplicável docilidade da razão. Por que não deveria ser permitido ao artista

dedicar-se a esta atividade absurda de sustentação, quando os axiomas dos homens que fazem uma especialidade da lógica e da razão foram considerados vulneráveis. Alguns podem chamar seu trabalho [refere-se especificamente ao de complicado — eu diria a eles que os complicados de hoje são a verdades de amanhã”.

          Outra declaração reflete que a versatilidade em trabalhar com diferentes meios por Man Ray era autêntica e não oportunista. Costumava dizer que pintava “o que não pode ser fotografado, como alguma coisa da imaginação, ou um sonho, ou um impulso subconsciente”; pelo mesmo raciocínio, fotografava as coisas que não queria pintar, “coisas que já estão na existência”. Deve-se relativizar o sentido das coisas existentes no trabalho

dele, pois transcreveremos aqui uma auto-análise ambígua de suas fotografias: “Eu faço fotografias de natureza, fotografo fantasia”.

          Há um texto de autoria de Man Ray — Photography can be art10 — que é indispensável para a constituição do perfil, que obteremos em função dos pensamentos, para assim nos trazer um melhor entendimento com relação à pluralidade das técnicas e dos meios utilizados por ele. Então, vejamos: “Há puristas em todas as formas de expressão. Há fotógrafos que defendem que seu meio não tem relação com a pintura. Há pintores que desprezam a fotografia, embora muitos, no último século, inspirassem nela e usassem isto”. Continua revelando que fora um afortunado por começar sua carreira como pintor e se sentiu intimidado na primeira vez em que se deparou com uma câmera. Logo, decidiu investigar. “Porém, eu mantinha a abordagem de um pintor em tal grau que era acusado de tentar fazer uma fotografia parecer uma pintura. Eu não tive como tentar, só fiz daquele modo por causa do meu background e do meu condicionamento.”

          A passagem completa para a fotografia nunca existiu. Apenas deixou a pintura em segundo plano ao dar supremacia à fotografia. Agora, a aplicação da pintura na fotografia ocorreu sob muitas críticas e preconceitos. Man Ray considerava que o desenho e a pintura serviam como auxílio para a fotografia e que nunca as trocara por ela. De fato, para ele não havia conflito entre as duas — por que as pessoas não poderiam aceitar a idéia que uma pessoa pode engajar-se em duas atividades em sua existência, alternadamente ou simultaneamente? A implicação, sem dúvida, era que a fotografia não estava no mesmo nível que a pintura — ela não era arte [tradução da autora].

          Admitiu que nunca esteve interessado nesse impasse, cuja origem remonta à invenção da fotografia. Assim, para desviar da mesmice que envolvia essa discussão, “[...] declarei categoricamente que a fotografia não é arte, publicando um panfleto com esta declaração como título, para desânimo e reprovação dos fotógrafos”. Pois bem, já que o depoimento acima nos levou a um outro artigo, intitulado Photography is not art11, datado de 1943, vamos situar algumas colocações de Man Ray. Com desenvoltura, escreveu fluentemente aquilo em

que não acreditava. Delimitou no campo teórico (com ironia) o avesso do que tomara como referência na esfera paradigmática. Por se tratar de um jogo falacioso, cuja maior finalidade era declarar, sobre essa antiga querela — seria a fotografia arte ou não? —, sua posição incrédula. Fica claro, nesse texto, que o principal é abafar, ao mesmo tempo, uma discussão desmesurada e a supervalorização desse questionamento sem propósito. Há trechos do texto onde a ruptura preconceituosa permite que seja impossível o entrelaçamento dos dois meios de expressão e até mesmo delegar à fotografia a condição de arte. Claro, armada propositadamente para atingir a ferida, que muitos insistiam em manter aberta; em outras palavras, que a fotografia estaria mecanicamente incompatível com a tradição da pintura. Man Ray arriscou em Photography is not art a conjectura de que o homem faz

um bom desenho quando ele simplesmente faz uma pobre fotografia, ou que ele fez um bom trabalho de arte com a câmera quando ele faz um bom desenho automático com isto”.   Movido pelo impulso de desafiar intrepidamente, ainda que para isso tivesse que burlar a verdadeira opinião, em prol de sua liberdade de expressão, Man Ray ironicamente contradizia-se com convicção.

          Nesse último aspecto, deve-se considerar a efusão com a qual estruturava seu raciocínio e o senso de pertinência. Nunca se valeu de eufemismos para argumentar. Escreveu que a

fotografia não poderia ser considerada como um sério competidor por ser um novo meio gráfico em preto-e-branco, contrariamente ao universo colorido da pintura. “[...] O perigo da fotografia está em surgir como uma arte subseqüente, ao invés de simplesmente permanecer como arte iminente. Ou mais precisamente, o perigo da fotografia está em ser, adequadamente, uma simples arte — em vez de perdurar como uma arte.” Continua desfilando sua linha teórica explicando a capacidade do meio fotográfico — que, poder-se-ia provar, por mais que fosse possível no domínio plástico, era igualmente praticável no domínio ótico. Man Ray arremata o artigo com o seguinte parágrafo:

          Para concluir, nada é mais triste do que uma velha fotografia, nada é tão cheio daquela nostalgia quanto apreciada por muitos dos nossos melhores pintores, e nada é tão capaz de nos inspirar como aquele desejo por uma arte verdadeira, tal como nós entendemos na pintura. Quando a fotografia tiver perdido sua acidez, quando tiver o mesmo tempo da arte e do álcool, somente então se tornará arte e não permanecerá simplesmente uma arte como é hoje [tradução da autora].

         No entanto, retomaremos o texto Photography can be art para ilustrar a real consciência de Man Ray sobre o que corresponde à Arte. Para ele, “Alguns dos mais completos e satisfatórios trabalhos de arte têm sido produzidos quando seus autores não têm idéia de criação de uma obra de arte, porém se preocupam com a expressão de uma idéia. Pela ordem natural das coisas, não se criam obras de arte. Isso se estabelece em nós, é a faculdade de interpretação peculiar da mente humana que vê a arte”. Além de ter coerência na fundamentação, é uma das colocações mais lúcidas de Man Ray.

          A relação de Man Ray com a arte ficou clara em passagens como esta, que transcreveremos mais adiante, da carta endereçada a Merrild (trata- se mais de um texto analítico sobre a obra desse artista). Revela que não recorre à crítica ou ao elogio e que, havia muito tempo, seu interesse pelo trabalho de outro era determinado pela sua personalidade, que era capaz de ler no trabalho de arte — sendo atraído ou repelido, conseqüentemente. Avaliou Man Ray:

         Uma vez, a personalidade tornou-se simpática a mim; qualquer que seja a escola ou tendências do artista, eu aceitei sem reservas tudo que é do trabalho individual. Ter preferido uma obra a outra teria sido um jogo estético duvidoso, até mesmo desonesto, como experimentado por muitos críticos. Seria como se um fosse dar sua assinatura para um certo documento, em preferência à mesma assinatura para um outro documento [tradução da autora]

          Na mesma carta, ele expõe determinada invectiva para dissertar sobre a autonomia do trabalho artístico. Foi Kandinsky que lutou tão arduamente para provar que suas abstrações eram a mais concreta das manifestações? O que é uma perda de tempo, pois bastam os recursos de certos cientistas ou místicos para provar que toda a questão não existe. Quem se importa se nós vivemos num concreto ou num inatingível mundo? Eles ainda dizem que a dor é uma ilusão. Se for verdade, então devemos pôr nossa fé somente na ilusão, pois é pela ilusão que nós reagimos e continuamos a viver, ou morrer! [tradução da autora] 

         Diz ainda que, enquanto o artista estiver criando as ilusões, ele estará inventando, assim será senhor de seu destino; ficando, dessa maneira, à margem, os críticos e os duvidosos. Logo, “Se há uma outra alma que acredita em você, seu trabalho é justificado e, ainda que a alma esteja carente, seu trabalho justifica-se por si só”.

          Apesar de Man Ray dizer que o prazer fora o guia principal na sua atividade e que nunca teve muita paciência com o processo de complementar isso com explanações (fato que considerava como um trabalho tedioso), ele fazia quando queria, mas com muita sabedoria, o uso preciso e econômico das palavras para dissolver polêmicas, como no que se segue: “Tudo é arte. Eu não discuto mais aquelas coisas. Todo este negócio de antiarte é sem sentido, todos estão fazendo isto. Se nós devemos ter uma palavra para isso, vamos chamá-lo de arte”. Características como essa, de desmentir a si mesmo, nos  remetem à sua personalidade surpreendente, de atitudes e reflexões dúbias, as quais firmam o propósito de Man Ray de não simplificar nada para conseguir reconhecimento, mas sim de fazer arte por paixão, prazer e liberdade. Daí provêm o sentimento sincero (que também se converte em linguagem visual) e a justa medida (de suma consistência) nos componentes de enigma, no

desconhecido e desconcertante inerentes à visão extravagante dos artistas tidos como modernos na sua época — condição que ganha ares contemporâneos quando atravessa a fronteira do tempo com o mesmo espírito inovador de outrora.

ref. Bibliográficas
1 DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico. Campinas: Papirus, 1994. p. 70. Tradução: Marina
Appenzeller.
2 Ibid, p. 71.
3 CALIL, Carlos Augusto. Atualidade de Man Ray. In: Imagens (Literatura e Imagem). São
Paulo: Unicamp, jan./abr 1996. p. 6-87.
4 RAY, Man. Photography can be art. In: Man Ray Photographs. Nova Iorque: Thames and
Hudson, 1997. p. 34.
5 FORESTA, Merry e HARTSSHORN, Willis. Man Ray in Fashion. New York: International
Center of Photography, 1990. p. 15. Catálogo da exposição Man Ray/Bazaar Years: A Fashion
Retrospective.
6 STANGOS, Nikos (org.). Conceitos da Arte Moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991. p.
82. Tradução: Álvaro Cabral.

9 Track 16 Gallery e Robert Berman Gallery. Man Ray: Paris–Los Angeles. Madrid: Smart Art
Press, 1996.

10 RAY, Man. Photography can be art. In: Man Ray Photographs. Nova Iorque: Thames and
Hudson, 1997. p. 34.

1.1 Dada e Surrealismo: influências sincrônica e diacrônica
11 RAY, Man. Photography is not art. In: Man Ray Photographs. Nova Iorque: Thames and Hudson,
1997. p. 30
12 Track 16 Gallery/Robert Berman Gallery. Man Ray: Paris-Los Angeles. Califórnia: Smart Art
Press, 1996.